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adquire lhe escapa sem cessar& Rico, no entanto, de tudo o que lhe falta e
pobre, para sempre, de tudo o que persegue, nem rico nem pobre, pois, ou
ambos, sempre entre os dois, sempre entre fortuna e miséria, entre saber e
ignorância, entre felicidade e infelicidade& Filho da Boêmia, se quisermos,
sempre na estrada, sempre em caminho, sempre em falta. Nunca saciado ,
como dirá Plotino comentando Platão, nunca farto, nunca satisfeito, e se
compreende por quê: O amor é como um desejo que, por sua própria natureza,
seria privado do que deseja , e permanece privado mesmo quando alcança seu
objetivo . Não é mais o amor como o sonhamos, o amor saciado e saciante, o
amor água-com-açúcar: é o amor tal como é, em seu sofrimento fecundo, em sua
estranha mescla de dor e de alegria , como dirá o Fedro, o amor insaciável, o
amor solitário, sempre inquieto com o que ama, sempre carecendo de seu objeto,
é a paixão, a verdadeira, a que enlouquece e dilacera, a que esfomeia e tortura, a
que exalta e aprisiona. Como poderia ser de outro modo? Só desejamos aquilo
que nos falta, o que não temos: como poderíamos ter o que desejamos? Não há
amor feliz, e essa falta de felicidade é o próprio amor. Como eu seria feliz se ela
me amasse , diz-se ele, se fosse minha! Mas, se fosse feliz, não a amaria mais,
ou não seria mais o mesmo amor&
Distancio-me aqui de Platão, em todo caso modernizo-o um pouco, digamos que
tiro lições. Se o amor é falta, e na medida em que o é, a completitude lhe é por
definição vedada. É o que os amantes bem sabem e o que tira a razão de
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Pequeno Tratado das Grandes Virtudes
Aristófanes. Uma falta, ao ser satisfeita, desaparece enquanto falta: a paixão não
poderia sobreviver por muito tempo à felicidade, nem a felicidade, sem dúvida, à
paixão. Daí o grande sofrimento do amor, enquanto a falta domina. E a grande
tristeza dos casais, quando não domina mais& O desejo se abole em sua
satisfação: portanto ele tem de estar insatisfeito ou morto, estar em falta ou
faltando, infeliz ou perdido& Uma solução? Platão sugere duas, mas nenhuma
delas resolverá, assim temo, as dificuldades de nossa vida amorosa. O que é
amar? É carecer do que se ama e querer possuí-lo sempre. Pelo que o amor é
egoísta, em todo caso esse amor, e no entanto perpetuamente posto para fora de
si mesmo, extático, como diz Lacan, e esse êxtase (êxtase de si no outro) define
muito bem a paixão: é egoísmo descentrado, egoísmo dilacerado, como que
repleto de ausência, cheio do vazio de seu objeto, e de si, como se fosse esse
próprio vazio. Como poderia possuir sempre, já que vai morrer, e o que quer que
seja, já que é falta? Pelo parto na beleza , responde Platão, segundo o corpo e
segundo o espírito , em outras palavras, pela criação ou procriação, pela arte ou
pela família. É a primeira solução, a mais fácil, a mais natural. Já a vemos em ato
nos animais, explica Diotima, quando são possuídos pelo desejo de procriar,
quando o amor os trabalha, quando se sacrificam por seus filhotes& A razão
nada tem a ver com isso, o que basta para provar que o amor a precede ou a
supera. Mas então de onde ele vem? Do fato de que, responde Diotima, a
natureza mortal sempre busca, tanto quanto pode, a perpetuidade e a
imortalidade; mas só o pode pela geração, deixando sempre um indivíduo mais
jovem no lugar de um mais velho . É essa a causa ou o princípio do amor: o
amor é aquilo pelo que os mortais, embora nunca sendo sempre iguais, tendem a
se conservar e a participar, tanto quanto podem, da imortalidade. Eternidade
substituta, divindade substituta. Donde esse amor que têm pelos filhos, donde
esse amor à glória: é a vida que amam, é a imortalidade que buscam é a morte
que os atormenta. O amor é a própria vida, mas enquanto ela tem perpetuamente
falta de si, enquanto quer se conservar, enquanto não o pode, como se fosse
cavada pela morte, como se fosse fadada ao nada. Por isso o amor não escapa da
falta absoluta, da miséria absoluta, da infelicidade absoluta, a não ser parindo,
como diz Platão: uns parem segundo o corpo, e é o que se chama família, outros
segundo o espírito, e é o que se chama criação, tanto na arte ou na política como
nas ciências ou na filosofia. Uma solução? Talvez, mas não uma salvação, pois a
morte, apesar de tudo, permanece, a morte que nos carrega, e a nossos filhos, e a
nossas obras, já que a falta nos tortura ou nos falta& Que a família é o futuro do
amor, seu desaguadouro natural, todos constatam, mas isso nunca conseguiu
salvar o amor, nem o casal, nem a família. Quanto à criação, como ela poderia
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André Comte-Sponville
salvar o amor, se dependesse dele? E como, se não dependesse? É talvez por isso
que Platão propõe outra solução, mais difícil, mais exigente, que é a famosa
dialética ascendente, com a qual termina o discurso de Diotima. De que se trata?
De uma ascensão, de fato, mas espiritual, o que equivale a dizer, de um percurso
iniciático e de uma salvação, propriamente dita. É o percurso do amor, e a
salvação pela beleza. Seguir o amor sem nele se perder, obedecer a ele sem nele
se encerrar é transpor umas depois das outras as gradações do amor: amar
primeiro um só corpo, por sua beleza, depois todos os corpos belos, depois a
beleza que lhes é comum, depois a beleza das almas, que é superior à dos corpos,
depois a beleza que está nas ações e nas leis, depois a beleza que está nas ciências,
enfim a Beleza absoluta, eterna, sobrenatural, a do Belo em si, que existe em si
mesmo, para si mesmo, de que todas as belas coisas participam, de que procedem
e recebem sua beleza& É aonde nos conduz o amor, é o que o salva e nos salva.
Em outras palavras, o amor só é salvo pela religião eis o segredo de Diotima,
eis o segredo de Platão: se o amor é falta, sua lógica é sempre tender mais para o
que falta, para o que falta cada vez mais, para o que falta absolutamente, que é o
Bem (de que o Belo nada mais é que a deslumbrante manifestação), que é Deus, e
aí se abolir, enfim saciado, enfim apaziguado, enfim morto e feliz! Ainda é amor,
se mais nada lhe falta? Não sei. Platão diria talvez que então há apenas a Beleza,
como Plotino dirá que há apenas o Uno, como os místicos dirão que há apenas
Deus& Mas, se Deus não é amor, para que Deus? E do que Deus poderia ter
falta?
Temos de deixar Platão, neste ponto em que ele nos deixa. Ele nos levou, não é
pouco, do sonho da fusão (Aristófanes) à experiência da falta (Sócrates), depois
da falta à transcendência e à fé (Diotima). Belo percurso, para um pequeno livro,
e que diz muito de sua grandeza. Mas ainda seremos capazes dessa solução que
nos propõe? Podemos acreditar nela? Podemos aceita-la? Os cristãos
responderão que sim, sem dúvida, e vários deles passarão tranqüilamente da
água-com-açúcar à água benta& Mas não todos. É que os amantes, crentes ou
não, sabem que mesmo um Deus não os poderia salvar, se eles não salvarem
primeiro o amor neles, entre eles, por eles. Que vale a fé, se não sabemos amar?
E em que ela é necessária, se sabemos?
Mas a verdade é que não sabemos, claro, e é o que os casais não cessam de
experimentar, dolorosamente, dificilmente, o que os condena ao fracasso, talvez,
e o que os justifica. Como amar sem aprender? Como aprender sem amar?
Sei que há outros amores, e chegarei a eles. Mas este é o mais forte, em todo caso
o mais violento (o amor parental é mais forte ainda, em alguns, porém mais
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