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afagou-lhe as espáduas carinhosamente, como um adejo de borboleta. Teve uma fra- queza, uma coisa,
deu um ai e caiu de costas na cama, com as pernas para fora... Quando a vieram ver, estava morta.
Tinha ainda a coroa na cabeça e um seio, muito branco e redondo, saltava-lhe do corpinho.
O enterro foi feito no dia imediato e a casa de Albernaz esteve os dois dias cheia, como nos
dias de suas melhores festas.
Quaresma foi ao enterro; ele não gostava muito dessa cerimônia; mas veio, e foi ver a pobre
moça, no caixão, coberta de flores, vestida de noiva, com um ar imaculado de imagem. Pouco mudara,
entretanto. Era ela mesma ali; era a Ismênia dolente e pobre de nervos, com os seus traços miúdos e os
seus lindos cabelos, que estava dentro daquelas quatro tábuas. A morte tinha fixado a sua pequena
beleza e o seu aspecto pueril; e ela ia para a cova com a insignificância, com a inocência e a falta de
acento pró- prio que tinha tido em vida.
Contemplando aqueles tristes restos, Quaresma viu o caixão do coche parar na porta do
cemitério, atravessar pelas ruas de túmulos uma mul- tidão que trepava, se tocava, lutava por
espaço, na estreiteza da várzea e nas encostas das colinas. Algumas sepulturas como se olhavam com
afeto e se queriam aproximar; em outras transparecia repugnância por estarem perto. Havia ali,
naquele mudo laboratório de decomposições, solicitações incompreensíveis, repulsões, simpatias e
antipatias; havia túmulos arrogan- tes, vaidosos, orgulhosos, humildes, alegres e tristes; e de muitos,
ressu- mava o esforço, um esforço extraordinário, para escapar ao nivelamento da morte, ao
apagamento que ela traz às condições e às fortunas.
Quaresma ainda contemplava o cadáver da moça e o cemitério surgia aos seus olhos com as
esculturas que se amontoavam, com vasos, cruzes e inscrições, em alguns túmulos; noutros, eram
pirâmides de pedra tosca, retratos, caramanchões extravagantes, complicações de ornatos, coisas bar-
rocas e delirantes, para fugir ao anonimato do túmulo, ao fim dos fins.
As inscrições exuberam: são longas, são breves; têm nomes, têm datas, sobrenomes, filiações,
toda a certidão de idade do morto que, lá embaixo, não se pode mais conhecer e é lama pútrida.
E se sente um desespero em não se deparar com um nome conhecido, nem uma celebridade,
uma notabilidade, um desses nomes que enchem décadas e, às vezes mesmo, já mortos, parece que
continuam a viver. Tudo é desconhecido; todos aqueles que querem fugir do túmulo para a memória
dos vivos, são anódinos felizes e medíocres existências que passaram pelo mundo sem ser notadas.
E lá ia aquela moça por ali afora para o buraco escuro, para o fim, sem deixar na vida um traço
mais fundo de sua pessoa, de seus sentimen- tos, de sua alma!
Quaresma quis afastar essa visão triste e encaminhou-se para o inte- rior da casa. Ele estivera
na sala de visitas, onde Dona Maricota também estava, cercada de outras senhoras amigas que nada
lhe diziam. O Lulu, fardado do colégio, com fumo no braço, cochilava a uma cadeira. As irmãs iam e
vinham. Na sala de jantar, estava o general silencioso, tendo ao lado Fontes e outros amigos.
Caldas e Bustamante conversavam baixo, afastados; e quando Qua- resma passou, pôde ouvir
o almirante dizer:
Qual! Os homens estão dentro em pouco aqui... O governo está exausto.
O major ficou na janela que dava para o quintal. O tecido do céu se tinha adelgaçado: o azul
estava sedoso e fino; e tudo tranqüilo, sereno e calmo.
A Estefânia, a doutora, a de olhos maliciosos e quentes, passou, tendo ao lado Lalá, que
levava, de quando em quando, o lenço aos olhos já secos, a quem aquela dizia:
Eu, se fosse você, não comprava lá... É caro! Vai ao "Bonheur des Dames"... Dizem que
tem coisas boas e é pechincheiro.
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O major voltou de novo a contemplar o céu que cobria o quintal. Tinha uma tranqüilidade
quase indiferente. Genelício apareceu demasiada- mente fúnebre. Todo de preto, ele tinha afivelado ao
rosto a mais profunda máscara de tristeza. O seu pince-nez azulado também parecia de luto.
Não lhe fora possível deixar de ir trabalhar; um serviço urgente fize- ra-o indispensável na
repartição.
É isto, general, disse ele, não está lá o doutor Genelício, nada se faz... Não há meio da
Marinha mandar os processos certos... É um relaxa- mento...
O general não respondeu; estava deveras combalido. Bustamante e Caldas continuavam a
conversar baixo. Ouviu-se o rodar de uma carruagem na rua. Quinota chegou à sala de jantar:
Papai, está aí o coche.
O velho levantou-se a custo e foi para a sala de visitas. Falou à mulher que se ergueu com a
face contraída, exprimindo uma grande conten- são. Os seus cabelos já tinham muitos fios de prata.
Não deu um passo; esteve um instante parada e logo caiu na cadeira, chorando. Todos estavam vendo
sem saber o que fazer; alguns choravam; Genelício tomou um par- tido: foi retirando os círios de ao
redor do caixão. A mãe levantou-se, veio até ao esquife, beijou o cadáver: minha filha!
Quaresma adiantou-se, foi saindo com o chapéu na mão. No corre- dor, ainda ouviu Estefânia
dizer a alguém: o coche é bonito.
Saiu. Na rua parecia que havia festa. As crianças da vizinhança cer- cavam o carro fúnebre e
faziam inocentes comentários sobre os dourados e enfeites. As grinaldas foram aparecendo e sendo
dependuradas nas extre- midades das colunas do coche: "À minha querida filha", "À minha irmã". As
fitas roxas e pretas, com letras douradas, moviam-se lentamente ao leve vento que soprava.
Apareceu o caixão, todo roxo, com guarnições de galões dourados, muito brilhantes. Tudo
aquilo ia pra terra. As janelas se povoaram, de um lado e doutro da rua; um menino na casa próxima,
gritou da rua para o interior: "Mamãe, lá vai o enterro da moça!"
O caixão foi afinal amarrado fortemente no carro mortuário, cujos cavalos, ruços, cobertos
com uma rede preta, escarvavam o chão cheios de impaciência.
Aqueles que iam acompanhar até ao cemitério, procuravam os seus carros. Embarcaram todos,
e o enterro rodou.
A esse tempo, na vizinhança, alguns pombos imaculadamente bran- cos, as aves de Vênus,
ergueram o vôo, ruflando estrepitosamente; deram volta por cima do coche e tornaram logo
silenciosos, quase sem bater asas, para o pombal que se ocultava nos quintais burgueses...
IV O BOQUEIRÃO
O sítio de Quaresma, em Curuzu, voltava aos poucos ao estado de abandono em que ele o
encontrara. A erva daninha crescia e cobria tudo. As plantações que fizera, tinham desaparecido na
invasão do capim, do carrapicho, das urtigas e outros arbustos. Os arredores da casa ofere- ciam um
aspecto desolador, apesar dos esforços de Anastácio, sempre vigo- roso e trabalhador na sua forte
velhice africana, mas baldo de iniciativa, de método, de continuidade no esforço.
Um dia capinava aqui, outro dia ali, outro pedaço, e assim ia saltando de trecho em trecho,
sem fazer trabalho que se visse, permitindo que as ter- ras e os arredores da casa adquirissem um
aspecto de desleixo que não con- dizia com o seu trabalho efetivo.
As formigas voltaram também, mais terríveis e depredadoras, ven- cendo obstáculos,
devastando tudo, restos de seara, brotos de fruteiras, até os araçazeiros depenavam com uma energia e
bravura que sorriam aos fra- cos expedientes da inteligência crestada do antigo escravo, incapaz de
achar meios eficazes de batê-las ou afugentá-las.
Entretanto ele cultivava. Era a sua mania, o seu vício, uma teimosia de caduco. Tinha uma
horta que disputava diariamente às saúvas; e, como os animais da vizinhança a tivessem um dia
invadido, ele a protegeu pacien- temente com uma cerca de materiais mais inconcebíveis: latas de
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querosene desdobradas, caibros bons, folhas de coqueiros, tábuas de caixão, não obs- tante ter à mão
bambus à vontade.
Na sua inteligência havia uma necessidade do tortuoso, do aparente- mente fácil; e, em tudo
ele punha esse jeito de sua psique, tanto no falar, com grandes rodeios, como nos canteiros que
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